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sábado, 26 de novembro de 2011

Quanto vale o serviço noturno?

Esse artigo apenas comprova o que já sabíamos, que o nosso adicional noturno é calculado de forma equivocada, resta agora medidas legais para o ressarcimento dos meses passados e um novo cálculo para pagamento.




Por Vinícius Xavier Teixeira 



Vez ou outra, pequenos problemas do dia a dia minam a paciência de qualquer um. Nesses casos, o que mais chama a atenção é por que problemas simplórios, que não deveriam sequer ocorrer, acabam por romper o sossego de todos nós. Quem nunca ouviu de um atendente a banal explicação: “é o sistema”? Como se o tal “sistema” nascesse por geração espontânea e tivesse vida própria, suplantando a mão (e a cabeça) do homem. Infelizmente, a administração pública também produz suas “pérolas”. Vejamos um caso interessante, a seguir.
 
Joaquim Dias é servidor do Instituto de Proteção Ambiental, órgão do Ministério do Meio Ambiente (MMA), e ocupa o cargo de fiscal operacional, que tem, entre as suas atribuições legais, a função de realizar a vigilância e o monitoramento de áreas de preservação ambiental.
 
O serviço é prestado de forma contínua e ininterrupta. Dadas as peculiaridades desta atividade, o órgão distribuiu seus servidores em escalas de serviço de 12 horas contínuas, que se iniciam sempre às 07 e às 19 horas de cada dia. Os servidores cumprem a escala de forma alternada, para que todos possam trabalhar no período diurno e noturno. Desde o mês passado, Joaquim alterna os plantões diurnos e noturnos, como todos os demais, intercalando-os com suas folgas legais para descanso.
 
 
Ao longo de um mês, o servidor trabalha por sete plantões noturnos. Embora esse serviço apresentasse indicativos de ser um pouco desgastante, Joaquim entendeu que poderia até ser interessante, principalmente pelo acréscimo pecuniário referente ao adicional noturno e por gozar de algumas folgas maiores.
 
A remuneração base de Joaquim Dias é de R$ 2.500,00. No último mês, após os cálculos realizados pelo Setor de Recursos Humanos, foi lançada em seu contracheque a importância de R$ 145,74 a título de adicional noturno.
 
Joaquim achou o valor abaixo de sua expectativa e, assim, pediu esclarecimentos ao Setor de Recursos Humanos acerca da forma de cálculo do adicional noturno. Eis a resposta que recebeu:
 
Prezado servidor,
 
O adicional noturno no âmbito do Poder Executivo Federal é calculado pela fórmula a seguir, fornecida pelo Sistema Integrado de Administração de Recursos Humanos (Siape):
 
Salário base x 0,0000694 x Minutos trabalhados/52,5 x 60 = Valor x 25% = Adicional noturno
 
Desse modo, informamos que o valor percebido por V. Senhoria no último mês está correto.
 
Atenciosamente,
 
Setor de Recursos Humanos
 
Joaquim Dias continuou inconformado, embora não tivesse conhecimentos suficientes para avaliar a situação. Por isso, procurou o Departamento Jurídico do Sindicato para se inteirar de seus direitos.
 
E agora, nosso especialista? O valor do adicional noturno do servidor está correto? O servidor está certo ou trata-se de mera desconfiança, sem qualquer amparo legal?
 
Resposta:
 
Neste caso, a desconfiança do servidor possui razão de existir. A análise da fórmula fornecida pelo Setor de Recursos Humanos evidencia um grave equívoco no cálculo do benefício. Embora a conversão da hora real para a hora presumida e o acréscimo de 25% sobre o período noturno estejam corretos, a fórmula apresenta de forma errada o valor da hora trabalhada, ao utilizar um fator de conversão equivocado, o que se reflete diretamente no achatamento do valor do adicional noturno do servidor.
 
Explica-se: com efeito, o índice 0,0000694 existe na fórmula para converter o salário mensal em salário-minuto. A decomposição do referido índice denota a premissa – equivocada, aliás – de que o servidor se submete a uma carga horária mensal de 14.400 minutos, o que corresponde a 240 horas mensais. Ou seja: na prática, a administração federal utiliza para o cálculo do valor da hora trabalhada o divisor 240, que só deveria incidir em jornadas de 48 horas de trabalho semanal – contudo, essa carga horária não existe no país desde 1988!
 
Em verdade, o servidor público federal é submetido à carga horária máxima de 40 horas por semana, nos termos do art. 19 da Lei nº 8.112/90:
 
Art. 19.  Os servidores cumprirão jornada de trabalho fixada em razão das atribuições pertinentes aos respectivos cargos, respeitada a duração máxima do trabalho semanal de quarenta horas e observados os limites mínimo e máximo de seis horas e oito horas diárias, respectivamente. (Redação dada pela Lei nº 8.270, de 17.12.91)
 
Portanto, a carga horária máxima do servidor público federal, que é de 200 horas mensais, enseja a aplicação do divisor 200 para o cálculo do valor da hora trabalhada. Sendo assim, o índice correto a ser usado na fórmula aplicada pelo Setor de Recursos Humanos deveria ser 0,0000833.
 
Deve-se destacar, inclusive, que já há alguns precedentes judiciais acerca do tema, conforme transcrições a seguir:
 
PROCESSUAL CIVIL. ADMINISTRATIVO. SERVIDOR PÚBLICO FEDERAL. ADICIONAL NOTURNO. BASE DE CÁLCULO. 200 HORAS MENSAIS. ART. 19 DA LEI 8.112/90 [sic]. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA DE IGUAL PROPORÇÃO. RECURSO ESPECIAL CONHECIDO E IMPROVIDO. 1. Com o advento da Lei nº 8.112/90 [sic], a jornada máxima de trabalho dos servidores públicos federais passou a ser de 40 (quarenta) horas semanais, pelo que o adicional noturno deve ser calculado com base no divisor de 200 (duzentas) horas mensais. 2. Verifica-se a sucumbência recíproca de igual proporção quando, existindo dois pedidos, apenas um deles é provido. Inteligência do art. 21, caput, do CPC. 3. Recurso especial conhecido e improvido.
(RESP 200200292862, ARNALDO ESTEVES LIMA, STJ - QUINTA TURMA, 26/06/2006)
 
PROCESSUAL CIVIL E ADMINISTRATIVO. SERVIDORES PÚBLICOS FEDERAIS. ADICIONAL NOTURNO. BASE DE CÁLCULO. 200 HORAS MENSAIS. ART. 19 DA LEI Nº 8.112/90. PRORROGAÇÃO DA HORA NOTURNA. DESCABIMENTO. SUCUMBÊNCIA RECÍPROCA DE IGUAL PROPORÇÃO. APELOS DESPROVIDOS. 1. Com o advento da Lei nº 8.112/90, a jornada máxima de trabalho dos servidores públicos federais passou a ser de 40 (quarenta) horas semanais, razão por que o adicional noturno deve ser calculado com base no divisor de 200 (duzentas) horas mensais. 2. Faz jus o servidor ao recebimento do adicional das horas-extras que excederem o limite máximo semanal (40 horas). 3. O pedido de prorrogação do horário de incidência do adicional noturno nas horas subseqüentes àquelas laboradas em jornadas noturnas não encontra amparo legal, uma vez que o art. 75 da Lei nº 8.112/90 limitou expressamente a incidência do adicional noturno entre as 22 horas de um dia e as 5 horas do dia seguinte. 4. Mantida a sucumbência recíproca fixada pela sentença. O pleito no qual o demandante não obteve êxito representaria provimento de grande repercussão econômica, não podendo ser desconsiderado na fixação da honorária. 5. Apelações da parte autora e da União desprovidas.
(APELREEX 00308887120084047000, CARLOS EDUARDO THOMPSON FLORES LENZ, TRF4 - TERCEIRA TURMA, 22/04/2010)
 
Complementando, vale registrar que é um direito do trabalhador a remuneração do trabalho noturno superior à do diurno, nos termos do art. 7º, inciso IX, da Constituição da República. Trata-se de um direito social, estendido expressamente aos servidores públicos por meio do art. 39, § 3º da Carta Magna.
 
Ao seu turno, a Lei nº 8.112/90, que versa sobre o regime jurídico dos servidores públicos da União, regulamentou a percepção do adicional noturno, nos seguintes termos:
 
Art. 61.  Além do vencimento e das vantagens previstas nesta Lei, serão deferidos aos servidores as seguintes retribuições, gratificações e adicionais:
[...]
VI - adicional noturno;
Art. 75.  O serviço noturno, prestado em horário compreendido entre 22 (vinte e duas) horas de um dia e 5 (cinco) horas do dia seguinte, terá o valor-hora acrescido de 25% (vinte e cinco por cento), computando-se cada hora como cinqüenta [sic] e dois minutos e trinta segundos.
 
Pois bem. Essencialmente, no âmbito do serviço público federal, cabe destacar que o serviço noturno é aquele realizado entre 22 horas de um dia e 5 horas do dia seguinte. Nesse intervalo de sete horas, o período de 60 minutos é computado como 52,5 minutos. Além disso, o valor da hora trabalhada faz jus a um acréscimo de 25%. São os benefícios legais que conferem tratamento mais digno ao serviço noturno, notoriamente mais desgastante para a saúde do trabalhador.
 
Caso houvesse sido aplicada a fórmula correta, o servidor Joaquim Dias deveria receber naquele mês a importância de R$ 174,93 a título de adicional noturno. Logo, o valor recebido está incorreto, sendo cabível que o servidor busque amparo por meio do Poder Judiciário. Como visto, trata-se de um problema minúsculo que, como tal, sequer deveria existir. Mas, por certo, é fruto de uma anomalia típica da modernidade: a culpa é do sistema, oras!
 
 
Vinícius Xavier Teixeira é bacharel em Direito pela Universidade Federal do Espírito Santo (Ufes), Especialista Lato Sensu em Direito Público e Especialista Lato Sensu em Ministério Público e Defesa da Ordem Jurídica. É policial rodoviário federal de carreira e, atualmente, ocupa o cargo de assessor de Gabinete de Conselheiro do Tribunal de Contas do Estado do Espírito Santo.

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